“A Violência Psicológica é Sutil e Difícil de Ser Reconhecida”, alerta delegada Andreza Gregório

Especialista em violência doméstica fala sobre os tipos de agressão menos denunciados e a importância do combate preventivo no Agosto Lilás

No mês dedicado ao combate à violência contra a mulher, o Corujão do Pepeu conversou com a delegada Andreza Gregório, atualmente assessora do Departamento de Polícia da Mulher de Pernambuco, que gerencia as 15 delegacias especializadas do estado. Com vasta experiência no tema, tendo trabalhado sete anos em Afogados da Ingazeira, a delegada trouxe importantes esclarecimentos sobre os tipos de violência menos compreendidos pela população.

Os Cinco Tipos de Violência Definidos pela Lei Maria da Penha

A Lei Maria da Penha (Lei 13.640/2006), que completa 19 anos em agosto, estabelece uma classificação metodológica que divide a violência em cinco tipos: física, moral (verbal), psicológica, patrimonial e sexual. “A lei não cria tipos penais, mas nos auxilia a compreender que não é apenas a agressão física que deixa marcas e gera violência”, explica Gregório.

Segundo a delegada, os crimes mais registrados nas delegacias são ameaça e lesão corporal, seguidos pelos crimes contra a honra (injúria e calúnia). Porém, desde 2021, ganharam destaque os novos tipos penais da violência psicológicae o crime de perseguição.

Violência Psicológica: O Crime Silencioso que Antecede Feminicídios

“A violência psicológica é mais sutil e difícil de ser reconhecida pela vítima e pela sociedade”, alerta Andreza Gregório. Em termos simples, ela define como “todo ato de agressão através de gestos e falas que busca humilhar, diminuir a autoestima da mulher, criar dúvidas sobre suas crenças, causar isolamento e constrangimento ao ponto de gerar dano emocional”.

A especialista destaca a importância de falar sobre esse tipo de violência porque são crimes que precedem e anunciam feminicídios. “Aquele caso que escutamos com frequência do homem que se sente proprietário da mulher, exercendo dominância e controle, às vezes chegando ao nível de dizer ‘se você não for minha, não será mais de ninguém'”, exemplifica.

Violência Atinge Todas as Classes Sociais

Contrariando preconceitos, a delegada enfatiza que a violência contra a mulher é “altamente democrática”, atingindo mulheres de todas as raças, níveis sociais, de escolaridade e posição de poder. “Hoje vemos violência inclusive entre pessoas com nível superior e pós-superior, ocupantes de cargos importantes. Não é mais uma questão apenas de falta de educação formal”, observa.

Embora as estatísticas mostrem que mulheres negras são as que mais demandam socorro, Gregório ressalta que qualquer mulher pode ser vítima. “A diferença é que mulheres em melhor condição socioeconômica têm mais recursos para sair da situação de violência.”

Sinais de Alerta para Familiares e Vizinhos

A delegada orienta sobre os sinais que podem indicar violência doméstica:

  • Mudança de humor: mulher antes expansiva e alegre que fica triste ou adoecida
  • Isolamento social: deixa de participar de atividades que antes gostava
  • Ciúme excessivo do parceiro: não permite que a mulher frequente igreja, reuniões ou encontre amigos
  • Relatos de problemas no casamento acompanhados de outros sinais
  • Uso abusivo de substâncias (álcool ou drogas)

“Às vezes a mulher está sendo vista pela família como uma pessoa ‘louca’, mas pode estar sofrendo violência doméstica. É importante observar quem é esse homem no entorno dela”, alerta.

Canais de Denúncia e Ferramentas de Proteção

Para denúncias, a delegada indica:

  • 190: para situações de flagrante (24h)
  • 180: denúncias anônimas em nível nacional
  • 197: projeto específico em desenvolvimento na Polícia Civil (em fase de implementação)
  • Delegacias especializadas ou comuns mais próximas

Delegacias Especializadas no Sertão:

  • Petrolina
  • Arcoverde
  • Salgueiro
  • Afogados da Ingazeira

FONAR: Ferramenta Nacional de Avaliação de Risco

A delegada destaca o Formulário Nacional de Avaliação de Risco (FONAR), ferramenta utilizada em todo o Brasil com 27 perguntas distribuídas em quatro blocos sobre:

  • Tipos de violência sofrida
  • Perfil do agressor (uso de álcool, armas, problemas psiquiátricos)
  • Situação dos filhos
  • Violência contra animais

“É baseado em estudos de feminicídios consumados para entender o que levou àquele crime e como evitá-lo”, explica Gregório. A ferramenta auxilia na gestão de risco e nos encaminhamentos adequados conforme o grau de perigo.

Medidas Assistenciais Previstas na Lei Maria da Penha

A lei prevê diversos encaminhamentos após o atendimento na delegacia:

  • Assistência jurídica e psicológica
  • Inserção em programas de renda ou capacitação
  • Transferência escolar para filhos
  • Aluguel social
  • Reparação de cirurgia estética em casos de deformidade

“É uma lei muito completa que nos auxilia a enfrentar uma questão delicada e complexa, mas precisa do trabalho conjunto de várias instituições”, ressalta.

Mensagem de Esperança

Andreza Gregório encerra com uma mensagem de encorajamento: “Que essa mulher entenda que existe luz, que existe uma vida diferente dessa vida de opressão e sofrimento. Ela tem que buscar ajuda por ela e pelos seus familiares para ter uma vida digna.”

A delegada orienta que as vítimas procurem a delegacia mais próxima, busquem apoio de amigos, vizinhos e familiares, e tracem uma estratégia para sair do ciclo de violência. “Pela Lei Maria da Penha, ela deve ser devidamente acolhida, respeitada e orientada sobre todos os seus direitos, seja ou não em uma delegacia especializada.”

Ver posts semelhantes