Megaoperação nos Complexos da Penha e do Alemão: A Mais Letal da História do Rio

A chamada “Operação Contenção”, deflagrada na terça-feira (28) nos Complexos da Penha e do Alemão, tornou-se a ação policial mais letal da história do Rio de Janeiro, evidenciando o descaso crônico com a segurança pública e a ausência de políticas eficazes do Estado nas comunidades cariocas. O que deveria ser uma operação estratégica transformou-se em um massacre que expõe décadas de negligência governamental.

Números Alarmantes Revelam Tragédia

Segundo a Defensoria Pública do Rio de Janeiro, o número de mortos já ultrapassa 132 vítimas, sendo 128 civis e quatro policiais. O balanço oficial do governo estadual reconhece apenas 58 a 64 mortos, mas moradores do Complexo da Penha encontraram mais de 72 corpos abandonados em áreas de mata durante a madrugada desta quarta-feira (29), transportando-os para a Praça São Lucas.

A operação mobilizou aproximadamente 2.500 agentes das polícias Civil e Militar, com apoio de 32 blindados, dois helicópteros, 12 veículos de demolição e drones. Até o momento, foram realizadas 81 prisões e apreendidos 93 fuzis e 21 pistolas.

Governador Classifica Operação como “Sucesso”

Em coletiva de imprensa nesta quarta-feira, o governador Cláudio Castro (PL) classificou a megaoperação como um “sucesso” e afirmou que “de vítimas lá só tivemos os policiais”. O governador minimizou o número de mortos e garantiu que os corpos encontrados na mata são “apenas de criminosos”, alegando que o conflito ocorreu em áreas distantes das comunidades.

Castro também criticou duramente o governo federal e o Supremo Tribunal Federal (STF), especialmente a ADPF 635 (conhecida como “ADPF das Favelas”), que limita operações policiais em comunidades. Segundo o governador, o Rio de Janeiro “agiu sozinho” no combate ao Comando Vermelho e teve pedidos de apoio negados pela União, incluindo o empréstimo de blindados.

Como próximo passo, Castro solicitou a transferência de dez lideranças presas do Comando Vermelho para presídios federais de segurança máxima, pedido que foi atendido pelo governo federal.

Prefeito Declara que Rio “Não Ficará Refém de Criminosos”

O prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes (PSD), manifestou-se afirmando que a cidade “não pode e não vai ficar refém de grupos criminosos que buscam espalhar medo pelas ruas”. Durante coletiva de imprensa, Paes determinou que todos os órgãos municipais mantivessem o funcionamento normal das atividades.

“Compete ao poder público, independente do nível de governo, a tarefa de ser implacável contra esses grupos criminosos que buscam amedrontar a população trabalhadora. A prefeitura vai continuar agindo com autoridade, comando e firmeza”, declarou o prefeito.

Paes reconheceu que a responsabilidade primária pelas ações de segurança cabe às forças estaduais, limitando-se a oferecer apoio logístico e garantir a continuidade dos serviços municipais, como o BRT e demais transportes públicos.

Próximos Passos e Desdobramentos

O governo federal realizou reunião emergencial no Palácio do Planalto, coordenada pelo vice-presidente Geraldo Alckmin, com participação de diversos ministros. Embora a possibilidade de decretar Garantia da Lei e da Ordem (GLO) tenha sido descartada no momento, autoridades federais devem se reunir com representantes do Rio para discutir os próximos passos.

O Ministério da Justiça e Segurança Pública, comandado por Ricardo Lewandowski, contestou as acusações de Castro, afirmando que “todas as solicitações foram atendidas” e destacando que a Polícia Federal realizou 178 operações no estado em 2025, sendo 24 relacionadas ao tráfico de drogas e armas.

A Comissão de Defesa dos Direitos Humanos e Cidadania da Assembleia Legislativa (Alerj) acompanha os desdobramentos e solicitou informações aos órgãos estaduais sobre o planejamento, execução e responsabilidades da operação.

O Descaso Histórico com a Segurança Pública

Esta tragédia expõe o descaso sistemático com a segurança pública no Rio de Janeiro. Por décadas, o Estado optou por ações espetaculosas e militarizadas em detrimento de políticas de inteligência, investigação aprofundada e presença efetiva nas comunidades.

Especialistas em segurança pública, como a professora Jacqueline Muniz, da Universidade Federal Fluminense, apontam que a operação evidenciou “o improviso e o populismo na gestão da segurança”. A Rede Nacional de Advogados e Advogadas Populares (RENAP) criticou a escolha por “execuções sumárias” ao invés do combate com inteligência às movimentações financeiras do crime organizado.

A ausência eficaz do Estado nas favelas e periferias ao longo de décadas criou um vácuo de poder preenchido pelo crime organizado. Ao invés de investir em educação, saúde, infraestrutura e policiamento comunitário, sucessivos governos optaram por operações de guerra que vitimam principalmente a população mais vulnerável.

Impacto na População

A operação paralisou completamente a rotina dos moradores. No Complexo da Penha, 17 escolas tiveram aulas suspensas; no Alemão, 28 unidades foram impactadas. Seis unidades de Atenção Primária à Saúde suspenderam o funcionamento, e mais de 100 linhas de ônibus tiveram itinerários alterados.

Moradores relataram violações de direitos humanos, casas destruídas e clima de terror. Familiares ainda buscam identificar parentes entre os corpos enfileirados na Praça São Lucas, em cenas que chocaram o país.

A ONU manifestou preocupação com a letalidade da operação, lembrando as autoridades brasileiras de suas obrigações sob as leis internacionais de direitos humanos e pedindo investigações ágeis e eficazes.

A megaoperação nos Complexos da Penha e do Alemão não representa uma vitória contra o crime organizado, mas sim a continuidade de uma política de segurança pública fracassada. O descaso do Estado, que há décadas negligencia a presença efetiva nas comunidades e opta por soluções militarizadas, cobra seu preço em vidas – majoritariamente de moradores das favelas e periferias do Rio de Janeiro.

Enquanto o governo estadual celebra o “sucesso” de uma operação que deixou mais de 130 mortos, famílias choram seus entes queridos e especialistas apontam que os núcleos dirigentes do Comando Vermelho permaneceram intocados. A pergunta que fica é: até quando a população fluminense pagará com vidas pelo descaso histórico com a segurança pública?

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