Uma conversa essencial com a psicóloga Clarisse Vasconcelos mostra os impactos do uso excessivo de celular e redes sociais no bem-estar emocional
O mês de setembro carrega uma cor especial: o amarelo da prevenção ao suicídio e do cuidado com a saúde mental. Neste contexto, uma questão se torna cada vez mais urgente: qual o papel da tecnologia no bem-estar emocional dos jovens? Para entender melhor essa relação, conversamos com a psicóloga Clarisse Vasconcelos, que nos ajuda a desvendar os impactos do uso excessivo de celular na saúde mental dos adolescentes e jovens adultos.
O Celular Além da Tela: Uma Companhia Constante
Quando falamos sobre uso excessivo de celular, não se trata apenas do tempo gasto olhando para a tela. “O problema é quando o celular invade todos os momentos do dia: durante as refeições, na hora de dormir, nas conversas com outras pessoas”, explica Clarisse. O dispositivo passa a ser usado como uma fuga do tédio, da solidão ou do vazio, tornando-se uma presença que não permite descanso à mente.
A psicóloga destaca que essa dinâmica está diretamente relacionada ao aumento dos casos de ansiedade entre jovens. A ansiedade pode causar sintomas como dificuldade para dormir, problemas de concentração, irritação e até manifestações físicas como batimentos acelerados. Embora seja uma reação natural diante de situações difíceis, ela se torna problemática quando começa a interferir na rotina diária.
O Olhar do Outro e a Busca por Aprovação
Sob a perspectiva da psicanálise lacaniana, Clarisse explica que a forma como uma pessoa se vê está profundamente ligada ao que ela imagina que os outros pensam dela. Nas redes sociais, essa dinâmica se intensifica de forma preocupante.
“O jovem está sempre vendo imagens perfeitas de sucesso, beleza, felicidade e desempenho, que muitas vezes não são reais ou possíveis de alcançar”, observa a especialista. Isso gera um sentimento constante de inadequação, como se nunca fossem “bons o suficiente”. Essa pressão interna constante é uma das principais causas da ansiedade entre os jovens.
As redes sociais criam um espaço permanente de exposição e comparação, especialmente doloroso para adolescentes que estão construindo sua identidade. Eles se veem diante de vidas idealizadas, medindo seu valor pessoal através da performance digital – curtidas, comentários, validação – ao invés de experiências reais e relações genuínas.
Sinais de Alerta: Quando Buscar Ajuda
Como identificar quando o uso do celular está se tornando prejudicial? Clarisse aponta alguns sinais importantes que pais, educadores e os próprios jovens devem observar:
Irritabilidade quando desconectado: Nervosismo ao precisar ficar longe do celular, mesmo por pouco tempo, junto com o medo constante de estar “perdendo algo” (FOMO – Fear of Missing Out).
Problemas de sono: Usar o celular até tarde, rolando a tela sem parar, o que compromete o descanso e alimenta ainda mais a ansiedade.
Dificuldade de concentração: Queda no rendimento escolar ou profissional porque a mente está sempre “ligada” no que acontece nas redes.
Isolamento social: Preferir ficar no celular a conviver com amigos e família no mundo offline.
Baixa autoestima: Comparações constantes com vidas e corpos idealizados vistos nas redes sociais.
Uso como fuga emocional: Recorrer ao celular para evitar sentimentos difíceis como tédio, angústia ou tristeza, ao invés de entrar em contato com as próprias emoções.
Encontrando o Equilíbrio
A diferença entre uso saudável e problemático da tecnologia está na capacidade de controle e no impacto sobre diferentes áreas da vida. “O uso saudável é quando a tecnologia é uma ferramenta que ajuda a pessoa a se comunicar, estudar, trabalhar e se divertir, sem atrapalhar outras áreas da vida”, esclarece Clarisse.
O limite é ultrapassado quando o celular passa a ocupar um espaço excessivo, afetando o sono, as relações interpessoais, o rendimento escolar ou profissional, e quando é usado constantemente para fugir dos próprios sentimentos.
Estratégias Práticas para o Dia a Dia
Para jovens que reconhecem estar enfrentando dificuldades com o uso excessivo da tecnologia, a psicóloga sugere algumas estratégias simples mas eficazes:
- Criar momentos livres de tecnologia: Durante refeições, uma hora antes de dormir, ou em momentos de lazer
- Praticar atenção plena: Exercícios de respiração, meditação, yoga ou caminhadas ao ar livre
- Identificar gatilhos: Perceber quais conteúdos ou situações online aumentam a ansiedade
- Buscar atividades offline: Esportes, leitura, instrumentos musicais, arte, encontros presenciais
- Usar ferramentas de controle: Apps como “Forest” ou configurações nativas de “tempo de tela”
- Definir horários específicos: Para checar redes sociais, evitando o acesso compulsivo
O Papel dos Pais: Diálogo sem Conflito
Para pais e responsáveis, Clarisse enfatiza a importância do diálogo aberto e da compreensão. “O segredo está no estabelecimento de limites claros, mas com compreensão e respeito”, orienta.
As estratégias incluem:
- Mostrar interesse genuíno pelo uso que o jovem faz da tecnologia
- Construir regras em conjunto, para que o jovem se sinta parte da decisão
- Oferecer alternativas interessantes ao tempo online
- Dar o exemplo com uso equilibrado da própria tecnologia
- Combinar firmeza com afeto, respeitando o ritmo do jovem
Setembro Amarelo e a Era Digital
No contexto do Setembro Amarelo, discutir o papel da tecnologia torna-se fundamental. O bem-estar emocional que envolve sentir-se em harmonia, capaz de lidar com dificuldades e manter relações saudáveis pode ser profundamente afetado pelo uso inadequado das redes sociais.
A depressão, que vai muito além da tristeza comum, pode causar desesperança, isolamento e perda de interesse pelas atividades antes prazerosas. Esse quadro é um dos principais fatores de risco para o suicídio, lembrando que este é evitável com prevenção adequada, apoio emocional and tratamento.
“A tecnologia pode tanto ajudar quanto dificultar esse equilíbrio”, observa Clarisse. Por um lado, possibilita conexão e acesso a suporte. Por outro, o uso excessivo pode agravar sentimentos de solidão, ansiedade e inadequação.
Uma Mensagem de Esperança
A psicóloga deixa uma reflexão poderosa: “Nem sempre a dor aparece de forma clara, às vezes, ela se esconde atrás do cansaço, da irritação, do isolamento ou da necessidade de estar sempre conectado. Observar esses sinais, em si e nos outros, é um gesto de cuidado.”
Ela lembra que falar sobre dificuldades não é fraqueza, mas uma forma corajosa de continuar cuidando da própria história. Mesmo para quem não tem uma rede de apoio ampla, existem caminhos: serviços públicos, escolas, universidades, postos de saúde e iniciativas sociais oferecem acolhimento psicológico gratuito ou acessível.
“Pode parecer um gesto pequeno, mas perguntar-se como está e permitir-se pedir ajuda são dos movimentos mais potentes que alguém pode fazer, não só para sobreviver, mas para viver com mais sentido, presença e dignidade.”
Em tempos de excesso de ruído digital, talvez o que mais nos falte seja silêncio para nos perguntarmos com sinceridade: ‘Venho me escutando de verdade?’ O Setembro Amarelo nos convida a essa reflexão, lembrando que cuidar da saúde mental é um ato de coragem e amor próprio.
Se você ou alguém que conhece está passando por dificuldades, lembre-se: ajuda está disponível. O Centro de Valorização da Vida (CVV) oferece apoio gratuito 24 horas pelo telefone 188 ou pelo site www.cvv.org.br



