A recente prisão da ex-deputada Carla Zambelli na Itália marca não apenas um episódio
jurídico de grande repercussão nacional e internacional, mas também um símbolo do que o
poder pode representar quando se afasta do interesse público e se alia a práticas criminosas.
Condenada pelo Supremo Tribunal Federal a dez anos de reclusão por envolvimento em
crimes como invasão de dispositivos informáticos e inserção de dados falsos no sistema do
Conselho Nacional de Justiça, Zambelli protagonizou um dos capítulos mais graves da
recente história política brasileira. A ex-parlamentar foi considerada responsável por
orquestrar, junto ao hacker Walter Delgatti Neto, um plano para emitir um mandado de prisão
falso contra o ministro Alexandre de Moraes, fato este que foi um ataque frontal à integridade
do Judiciário e ao Estado de Direito.
Após a condenação, Zambelli deixou o Brasil rumo aos Estados Unidos e, posteriormente, à
Itália, país do qual também possui cidadania. Mesmo com a tentativa de driblar os efeitos da
decisão judicial, foi incluída na lista de difusão vermelha da Interpol, teve seus documentos
bloqueados e, em 29 de julho, acabou detida pelas autoridades italianas em Roma. Enquanto
sua defesa afirma que houve apresentação voluntária, informações de autoridades italianas
indicam que seu paradeiro foi comunicado por terceiros, desmentindo a narrativa de entrega
espontânea. O fato é que Zambelli está presa e enfrenta um processo de extradição que,
embora requeira tempo e análise da Justiça italiana, tem precedentes e bases jurídicas para ser
efetivado, inclusive considerando o tratado de extradição entre os dois países e o histórico de
cooperação em casos semelhantes, como o de Henrique Pizzolato.
O que este caso nos revela, no entanto, vai além da mera aplicação da lei penal. Carla
Zambelli, eleita com uma das maiores votações do país, foi não só representante do povo,
mas também porta-voz de um projeto político que normaliza o confronto, a desinformação, o
armamento civil e a hostilidade institucional. Sua atuação política sempre esteve marcada
pela defesa da violência como ferramenta de ordem, pela tentativa de deslegitimar
instituições democráticas (especialmente o Judiciário) e pela instrumentalização do cargo
público como escudo e arma. Não é coincidência que, em paralelo ao caso da ciberinvasão,
ela também responda por porte ilegal de arma e constrangimento ilegal, após sacar uma arma
e perseguir um cidadão em plena rua.
É preciso rejeitar, com firmeza e clareza, a tese de que sua prisão representa uma perseguição
política por parte do STF ou uma retaliação ideológica contra figuras da direita. Não se trata
de ideologia, mas de conduta. O Judiciário brasileiro não puniu uma mulher de direita. Puniu
uma ex-parlamentar que se utilizou de sua função para praticar crimes, fragilizar as
instituições e instigar a população contra a ordem constitucional. A democracia não se
sustenta se aceitarmos que o cargo político é salvo-conduto para atentados contra o próprio
Estado que se jura defender.
O perfil de liderança que Zambelli representa (autoritário, violento, conspiratório e
beligerante) precisa ser enfrentado com coragem. Não se trata apenas de combater a
corrupção, mas também de desnaturalizar o discurso de ódio e o uso da violência como
instrumento de ação política. O Brasil precisa escolher entre fortalecer a democracia e a
institucionalidade ou continuar normalizando comportamentos que corroem o tecido
republicano por dentro.
Como advogada criminalista, vejo com preocupação qualquer tentativa de transformar a
aplicação da lei em um espetáculo ideológico. O que está em jogo é a credibilidade do
sistema de justiça e a capacidade do Estado de dizer que, sim, ninguém está acima da lei, nem
mesmo aqueles que juraram defendê-la com o voto da população. O caso Carla Zambelli é
um marco que deve servir de alerta, mas também de reafirmação: o Direito Penal, quando
atua com garantias e firmeza, é instrumento legítimo de proteção à democracia.
