Juízo da opinião pública x juízo do tribunal: como a mídia influencia o processo penal

Por Carina Acioly – Advogada Criminalista e de Direito Público e professora universitária

Quem nunca acompanhou um caso criminal que ocupou horas de telejornais, geroudebates acalorados nas redes sociais e parecia já ter um veredito antes mesmo de o juiz se pronunciar? Muitas vezes, a opinião pública se antecipa à Justiça e decide, sem provas, quem é culpado ou inocente. O problema é que essa pressa em julgar pode destruir vidas, e não raramente se mostra equivocada.

Um exemplo marcante foi o caso da Escola Base, em São Paulo, nos anos 1990. Os donos de uma escola particular e alguns funcionários foram acusados injustamente de abusar sexualmente de crianças. A mídia deu ampla cobertura ao caso, estampando manchetes que já tratavam os acusados como culpados. A escola foi depredada, os acusados tiveram suas vidas viradas de cabeça para baixo e sofreram um linchamento moral que nunca foi reparado. Anos depois, a Justiça concluiu que não havia qualquer prova contra eles e todos foram inocentados. Mas a absolvição judicial não apagou o estrago causado pelo julgamento da opinião pública.

Outro episódio mais recente envolve o caso de Isabella Nardoni, em 2008. Ainda durante a investigação, os principais suspeitos já eram alvo de ataques massivos e julgamentos prévios pela mídia e pela população. Embora esse caso tenha terminado em condenação, ele ilustra como a pressão midiática molda percepções e cria um ambiente em que a defesa técnica enfrenta barreiras quase intransponíveis.

Esses exemplos revelam que a mídia, ao informar, também pode construir uma narrativa que se confunde com o próprio processo judicial. Mas é preciso diferenciar o chamado “juízo da opinião pública” do juízo que de fato importa: o judicial.

No tribunal judicial, a decisão deve se basear em provas produzidas sob contraditório, respeitando a lei e a Constituição. Ali, o que vale não é a versão mais popular, mas a mais comprovada. Já no tribunal da opinião pública, basta uma manchete de impacto para que uma vida inteira seja reduzida a um rótulo. Juízes, promotores e até jurados podem ser influenciados por essa pressão social, e não são raras as situações em que a defesa enfrenta um ambiente hostil, pois a narrativa já está consolidada no imaginário coletivo.

O impacto humano desse fenômeno é devastador. O “linchamento virtual” e midiático pode destruir reputações, abalar famílias e inviabilizar carreiras, mesmo quando, ao final, a pessoa é inocentada. Como reconstruir a imagem depois de ser tratado como criminoso em rede nacional?

É justamente aqui que a advocacia criminal humanizada cumpre um papel fundamental: lutar não só pela defesa técnica, mas também pela preservação da dignidade de quem é acusado. A função do advogado criminalista é lembrar que a democracia só se fortalece quando respeitamos o devido processo legal.

A Justiça não pode ser substituída pela pressão das redes sociais ou pela narrativa mais chamativa. A mídia tem um papel essencial de informar, mas a sociedade precisa compreender que justiça se faz com provas, não com manchetes.

Confundir o juízo da opinião pública com o juízo do tribunal é correr o risco de transformar a Justiça em espetáculo e de reduzir vidas inteiras a personagens de uma novela criminal.

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