Moraes anula votação da Câmara e determina perda imediata do mandato de Carla Zambelli

Ministro do STF reverte decisão do plenário que rejeitou cassação da deputada condenada a 10 anos de prisão e atualmente presa na Itália

Brasília — O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), anulou nesta quinta-feira (11) a decisão da Câmara dos Deputados e determinou a perda imediata do mandato da deputada federal Carla Zambelli (PL-SP). A medida reverte a votação realizada na madrugada desta quinta, quando o plenário da Casa rejeitou a cassação da parlamentar por não atingir o quórum necessário.

Votação na Câmara ficou aquém do necessário

Na madrugada desta quinta-feira, 227 deputados votaram a favor da perda do mandato, 110 contra e houve 10 abstenções. Para que Zambelli fosse cassada, seriam necessários 257 votos, o que levou ao arquivamento da representação. A decisão contrariou o parecer da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), que havia recomendado a cassação por ampla maioria, com placar de 32 votos a 2.

Moraes classifica decisão como inconstitucional

Em sua decisão, o ministro Alexandre de Moraes foi categórico ao afirmar que a deliberação da Câmara que rejeitou a cassação de Zambelli ocorreu “em clara violação” à Constituição Federal. O magistrado declarou o ato da Casa Legislativa como nulo, apontando desrespeito aos princípios da legalidade, moralidade e impessoalidade, além de flagrante desvio de finalidade.

Segundo o ministro, em casos de condenação criminal com trânsito em julgado, a competência para a perda do mandato é do Poder Judiciário, conforme estabelece o artigo 55 da Constituição Federal. Caberia à Mesa da Câmara apenas formalizar a cassação de forma administrativa, sem necessidade de deliberação em plenário.

Posse do suplente em até 48 horas

Moraes decretou a perda imediata do mandato da bolsonarista e mandou o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), empossar o suplente dela em até 48 horas. O suplente de Zambelli é o Coronel Tadeu (PL-SP). O ministro também solicitou ao presidente da Primeira Turma do STF, Flávio Dino, que agende um julgamento no plenário virtual para esta sexta-feira (12) a fim de referendar a decisão.

Condenação por invasão aos sistemas do CNJ

Carla Zambelli foi condenada em maio deste ano pela Primeira Turma do STF, por unanimidade, a 10 anos de reclusão em regime inicialmente fechado. Os dois foram condenados na Ação Penal 2428 pelos crimes de invasão de dispositivo informático e falsidade ideológica. Além da deputada, o hacker Walter Delgatti Neto foi condenado a oito anos e três meses de prisão, também em regime fechado.

Segundo a denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR), Zambelli teve papel central na invasão dos sistemas eletrônicos do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e foi a autora intelectual do ataque. A parlamentar teria contratado Delgatti para realizar as invasões, que ocorreram entre agosto de 2022 e janeiro de 2023.

Durante esse período, foram adulterados documentos judiciais, incluindo mandados de prisão e alvarás de soltura. Um dos objetivos era a inclusão de um falso mandado de prisão contra o próprio ministro Alexandre de Moraes. Também foi emitido um falso alvará de soltura em favor de um líder da facção criminosa Comando Vermelho, condenado a mais de 200 anos de prisão.

Pena severa e inelegibilidade

Além da pena de 10 anos de prisão, Zambelli foi condenada a pagar multa de dois mil salários-mínimos. Junto com Delgatti, ambos terão que pagar uma indenização de R$ 2 milhões por danos materiais e morais coletivos. Conforme a legislação, ambos estão inelegíveis desde o momento da condenação até o fim de um período de oito anos após o cumprimento da pena.

Deputada está presa na Itália

Após a condenação com trânsito em julgado pelo STF em junho, Carla Zambelli deixou o Brasil pela fronteira com a Argentina, em Foz do Iguaçu. A parlamentar chegou a passar pelos Estados Unidos antes de ser presa na Itália, no fim de julho. Atualmente, ela está detida na ala feminina da penitenciária de Rebibbia, em Roma, há mais de quatro meses, enquanto aguarda a conclusão do processo de extradição movido pelo governo brasileiro.

Durante a sessão da CCJ que aprovou a cassação, o advogado de defesa de Zambelli, Fábio Pagnozzi, reconheceu que a extradição dela para o Brasil é iminente e afirmou que, caso o mandato fosse preservado, a deputada renunciaria ao cargo porque sabe que não voltaria à Câmara.

Reação política à decisão de Moraes

A decisão do ministro Alexandre de Moraes gerou reações imediatas no meio político. O líder do PL na Câmara, deputado Sóstenes Cavalcante, classificou o ministro como “ditador psicopata” e afirmou que houve “usurpação institucional”. Segundo o deputado, a determinação de Moraes fere a democracia e desconsidera a vontade do eleitorado.

Por outro lado, ministros do STF, ouvidos reservadamente pela imprensa, consideraram a decisão da Câmara de manter o mandato de Zambelli como “inaceitável” e uma tentativa de desmoralizar a Corte. Segundo integrantes do tribunal, houve um flagrante descumprimento de ordem judicial.

Contexto de ataques às instituições

O ministro Alexandre de Moraes, relator do caso, destacou em seu voto que os crimes praticados vão além da mera tipificação penal e se inserem em um contexto de ameaças às instituições democráticas e ao Estado de Direito. O magistrado ressaltou que os ataques às sedes dos Três Poderes em Brasília, no dia 8 de janeiro de 2023, aconteceram apenas quatro dias após a invasão aos sistemas do CNJ.

Para Moraes, Zambelli usou seu mandato e suas prerrogativas para atentar de forma deliberada contra a credibilidade do Judiciário, com o objetivo de conseguir vantagens políticas. A instrumentalização do mandato parlamentar para finalidades ilícitas evidencia conduta social absolutamente incompatível com a função pública exercida e com os valores republicanos e democráticos que deveria defender.

Outros processos

Além do caso da invasão aos sistemas do CNJ, Carla Zambelli também é ré em outro processo criminal no STF. Em agosto de 2023, ela foi acusada pelo episódio em que sacou uma arma de fogo e perseguiu o jornalista Luan Araújo, às vésperas do segundo turno das eleições de 2022. O STF já registrou placar de 6 votos a 0 pela condenação da parlamentar a 5 anos e 3 meses de prisão em regime semiaberto, porém um pedido de vista suspendeu a conclusão do julgamento.

Histórico de cassações na Câmara

O histórico da Câmara dos Deputados mostra que a Casa tem confirmado cassações quando há condenação criminal definitiva, como ocorreu nos casos de Daniel Silveira e outros parlamentares julgados pelo STF em ações relacionadas a ataques às instituições. No entanto, a decisão desta quarta-feira representou uma exceção que foi rapidamente revertida pela intervenção do Poder Judiciário.

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