Dra. Kaliana Nascimento, especialista em cardiologia do esporte, explica por que a avaliação pré-participação é fundamental para corredores de todos os níveis
A corrida de rua no Brasil vive um momento de expansão sem precedentes. Provas como a Maratona de São Paulo e circuitos regionais atraem milhares de participantes, desde iniciantes até atletas de elite. Mas por trás da euforia e dos benefícios cardiovasculares da modalidade, existe uma realidade que poucos conhecem: a importância da preparação cardiológica adequada antes de calçar os tênis.
Em entrevista exclusiva, a Dra. Kaliana Nascimento, cardiologista do esporte formada pelo renomado Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia, em São Paulo, revela informações cruciais que podem salvar vidas. Segundo a especialista, mais de 80% das patologias que causam morte súbita durante a prática esportiva podem ser detectadas através de um eletrocardiograma alterado.
O Momento de Ouro do Diagnóstico
“A avaliação pré-participação é o momento de ouro para diagnosticarmos doenças cardiovasculares silenciosas”, enfatiza a Dra. Kaliana. A médica explica que o processo vai muito além de uma simples consulta. “Como cardiologista do esporte, busco entender os antecedentes pessoais e familiares do paciente e qual modalidade esportiva este quer praticar.”
Para pessoas sem comorbidades comprovadas, o protocolo básico inclui eletrocardiograma, teste ergométrico e ecocardiograma. No entanto, aqueles com histórico pessoal ou familiar de doenças cardiovasculares necessitam de uma avaliação mais aprofundada e personalizada.
Amadores vs. Profissionais: Protocolos Diferentes
A especialista faz uma distinção importante entre atletas profissionais e corredores amadores. “Um atleta é uma pessoa que compete de forma profissional, com valor monetário associado, e dedica mais de 50% do seu tempo para a prática esportiva”, explica. “Já as pessoas comuns, chamamos de esportistas, que praticam a atividade por hobby.”
Essa diferenciação não é apenas semântica. Os protocolos de avaliação mudam significativamente. Enquanto um esportista amador pode ter sua prática limitada ou receber tratamento medicamentoso para determinadas condições, um atleta profissional precisa de abordagens mais invasivas quando necessário. “Os atletas profissionais não podem ser limitados para o esforço, e a junta médica precisa estar ciente disso”, destaca a cardiologista.
Sinais de Alerta que Não Devem ser Ignorados
A Dra. Kaliana alerta para três sintomas principais que exigem atenção médica imediata: dor no peito, falta de ar desproporcional ao esforço e palpitação (a famosa “batedeira no peito”). “Nesses casos é importante procurar o cardiologista imediatamente”, orienta.
Sobre desmaios, palpitações ou dores no peito durante ou após a corrida, a especialista esclarece que nem sempre indicam algo grave. “Em pacientes com doença cardíaca que causa arritmia, como a cardiomiopatia hipertrófica, até que se prove o contrário, o desmaio é uma morte súbita abortada”, explica. Contudo, existem causas menos preocupantes como hipoglicemia, desidratação, descondicionamento físico ou até mesmo a síndrome do overtraining.
Hidratação: O Fator Negligenciado
Um dos aspectos mais negligenciados pelos corredores é a hidratação adequada. A Dra. Kaliana revela que a desidratação é uma das principais causas da síndrome do “atleta colapsado”. “Uma pessoa que corre 10km em uma hora pode perder entre um a dois litros de água”, informa.
A médica ressalta que não é apenas água que se perde, mas também sais minerais. “Não basta apenas tomar água, deve ser programada a ingestão de bebidas isotônicas para treinos mais longos de endurance.” A hidratação deve ser intensificada na semana anterior à competição, e durante a prova, deve-se repor pequenas alíquotas para evitar desconforto e perda de rendimento.
Um sinal interessante que pode fazer suspeitar de desidratação é a sensação de diarreia após correr longas distâncias. A especialista também lembra que em períodos frios a sensação de sede diminui, mas a desidratação ocorre da mesma forma.
Protocolo de Emergência
Em caso de parada cardíaca durante uma prova, a Dra. Kaliana recomenda que os corredores se inscrevam apenas em eventos com assistência médica adequada. “O ideal é, a partir da sua segurança estabelecida, deixar a pessoa em superfície rígida, buscar ajuda imediatamente e iniciar as compressões cardíacas se tiver treinamento para isso.” A especialista alerta que a cada 10 minutos sem perfusão cerebral, as sequelas neurológicas podem se tornar irreversíveis.
A Mensagem Final
A mensagem que a Dra. Kaliana deixa é clara e direta: “Realizem a avaliação pré-participação sempre que pretenderem iniciar a prática esportiva. As doenças cardíacas são em muitas vezes silenciosas e podem gerar efeitos deletérios mesmo em atividades de menor intensidade.”
A avaliação pré-participação realizada por um cardiologista do esporte é indicada para todos, independentemente da idade, comorbidades ou nível de condicionamento físico. Seja para quem quer praticar atividade por lazer ou de forma competitiva, um rastreio adequado pode evitar consequências graves para a saúde.

Sobre a Dra. Kaliana Nascimento:
- Formada em Medicina pela Universidade Federal de Pernambuco
- Cardiologista pelo Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia, SP
- Fellow em cardiologia do esporte pelo Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia, SP
- Pós-graduação em pesquisa clínica pelo programa Harvard T.H. Chan
- Instrutora do ACLS provider – American Heart Association
Antes de iniciar qualquer programa de corrida, procure sempre orientação médica especializada. A prevenção é sempre o melhor caminho para uma prática esportiva segura e prazerosa.