Juíza demitida por copiar decisões em 2 mil processos teve trajetória controversa no RS

A juíza Angélica Chamon Layoun, de 39 anos, foi demitida no último dia 3 pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS) após investigação revelar o uso de decisões idênticas em cerca de 2 mil processos. A defesa da magistrada protocolou pedido de revisão disciplinar no Conselho Nacional de Justiça (CNJ), contestando a medida considerada “desproporcional”.

Trajetória no Rio Grande do Sul

Angélica iniciou sua carreira como magistrada em Pernambuco, onde atuou por quase seis anos. Ao ser aprovada em novo concurso no Rio Grande do Sul, ela foi inicialmente reprovada na prova de sentença.

A magistrada recorreu da decisão por meio de mandado de segurança, argumentando que os critérios de avaliação utilizados para sua reprovação não haviam sido devidamente apresentados. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) acolheu o pedido, anulou a prova e permitiu que ela realizasse novo exame, no qual foi aprovada.

Com isso, em 2022, Angélica assumiu o cargo de titular da 2ª Vara Cível da Comarca de Cachoeira do Sul, localizada na região Central do estado.

Investigação e demissão

Com um ano no cargo, Angélica passou a ser investigada após a Corregedoria-Geral de Justiça do TJ-RS receber denúncias de que ela emitiu despachos padronizados em massa, repetidos em diversos processos. Dois meses após o início das apurações, a magistrada foi afastada de suas funções em setembro de 2023.

A demissão foi assinada pelo desembargador Alberto Delgado Neto, presidente do TJ-RS. Segundo a investigação, a magistrada copiou as decisões em casos cíveis para “aumentar a produtividade”.

A medida foi tomada pelo Órgão Especial do TJ-RS em fevereiro e confirmada em maio deste ano, quando o Processo Administrativo Disciplinar (PAD) transitou em julgado.

O PAD aponta também que Angélica desarquivou processos já julgados para despachar sentenças idênticas e, com isso, computar “novos julgamentos”.

Defesa contesta decisão

Após o resultado do Processo Administrativo Disciplinar, os advogados Nilson de Oliveira Rodrigues Filho e Pedro Henrique Ferreira Leite ajuizaram pedido de revisão disciplinar no CNJ, por considerar a demissão “desproporcional, juridicamente viciada e carente de prova de dolo ou má-fé, elementos indispensáveis à configuração de falta funcional gravíssima”.

Conforme os representantes de Angélica, ela foi designada para uma vara cível que estava há anos sem juiz titular, com grande passivo processual e sem rotinas estruturadas.

“Nesse cenário, buscou corrigir falhas operacionais, reordenar o fluxo processual e promover melhorias administrativas, enfrentando resistências internas que acabaram servindo de catalisador para o processo disciplinar”, afirma a defesa.

Alegações de discriminação

Em nota oficial, a defesa alega que a magistrada enfrentou “dificuldades adicionais decorrentes de discriminação velada, por ser oriunda de outro estado, mulher e mãe de uma criança de três anos à época, diagnosticada com transtorno do espectro autista (TEA)”.

A defesa argumenta que “a conciliação entre os deveres funcionais e o cuidado com uma criança com necessidades especiais representa um desafio adicional que qualquer mãe magistrada pode compreender”.

Os advogados sustentam que “eventuais equívocos ou falhas operacionais, naturais em estágio probatório e agravados pelas dificuldades de adaptação a sistemas digitais complexos, não podem justificar o rigor da medida disciplinar aplicada”.

Críticas ao processo disciplinar

A defesa critica a postura da Corregedoria-Geral de Justiça, afirmando que “deveria ter priorizado medidas pedagógicas e de orientação, e não punições de natureza extrema, especialmente quando não há má-fé, dano às partes ou violação da moralidade”.

O caso, segundo os advogados, “suscita reflexões importantes sobre como a magistratura lida com as especificidades enfrentadas por mulheres magistradas, especialmente aquelas que exercem a maternidade simultaneamente à função jurisdicional”.

Próximos passos

Como não cabe recurso interno no âmbito do TJ-RS, o pedido de revisão disciplinar no CNJ representa a única alternativa para reverter a decisão. A defesa discute no órgão nacional “a proporcionalidade da sanção e vícios de instrução do processo disciplinar”.

“A atuação da magistrada foi pautada pela boa-fé, pelo compromisso com o serviço público e pela transparência funcional”, afirma a defesa, que confia que o CNJ “saberá avaliar o caso com isenção e profundidade, garantindo o respeito ao devido processo legal, à proporcionalidade da sanção e às garantias da magistratura nacional”.

O caso de Angélica Chamon Layoun levanta questões sobre os limites entre produtividade e ética no Judiciário, além de abordar os desafios específicos enfrentados por magistradas mulheres, especialmente mães de crianças com necessidades especiais.


Nota da defesa na íntegra:

A defesa manifesta profundo respeito pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, mas discorda veementemente da penalidade imposta à magistrada Angélica Chamon Layoun, por considerá-la desproporcional, juridicamente viciada e carente de prova de dolo ou má-fé, elementos indispensáveis à configuração de falta funcional gravíssima.

Esclarecemos que não cabe recurso interno no âmbito do TJRS. Por essa razão, foi ajuizado Pedido de Revisão Disciplinar no CNJ, onde se discute a proporcionalidade da sanção e vícios de instrução do processo disciplinar.

Por se tratar de processo que tramita sob sigilo, não é possível comentar o conteúdo integral dos autos ou os argumentos apresentados na petição de revisão disciplinar.

Ressalvado esse limite, cumpre esclarecer que a magistrada foi designada para uma vara cível que estava há anos sem juiz titular, com grande passivo processual e uma cultura de autogestão consolidada, sem rotinas estruturadas. Nesse cenário, buscou corrigir falhas operacionais, reordenar o fluxo processual e promover melhorias administrativas, enfrentando resistências internas que acabaram servindo de catalisador para o processo disciplinar.

Além dos desafios próprios de uma unidade desorganizada, a juíza enfrentou dificuldades adicionais decorrentes de discriminação velada, por ser oriunda de outro estado, mulher e mãe de uma criança de três anos à época, diagnosticada com transtorno do espectro autista (TEA).

A conciliação entre os deveres funcionais e o cuidado com uma criança com necessidades especiais representa um desafio adicional que qualquer mãe magistrada pode compreender.

Eventuais equívocos ou falhas operacionais, naturais em estágio probatório e agravados pelas dificuldades de adaptação a sistemas digitais complexos, não podem justificar o rigor da medida disciplinar aplicada.

A Corregedoria-Geral de Justiça deveria ter priorizado medidas pedagógicas e de orientação, e não punições de natureza extrema, especialmente quando não há má-fé, dano às partes ou violação da moralidade.

Este caso suscita reflexões importantes sobre como a magistratura lida com as especificidades enfrentadas por mulheres magistradas, especialmente aquelas que exercem a maternidade simultaneamente à função jurisdicional.

A situação vivenciada pela magistrada Angélica poderia ocorrer com qualquer mulher que enfrente os desafios da dupla jornada profissional e maternal no exercício da magistratura.

A atuação da magistrada foi pautada pela boa-fé, pelo compromisso com o serviço público e pela transparência funcional.

Confia-se que o CNJ saberá avaliar o caso com isenção e profundidade, garantindo o respeito ao devido processo legal, à proporcionalidade da sanção e às garantias da magistratura nacional.

NILSON DE OLIVEIRA RODRIGUES FILHO
OAB/RS 121.624

PEDRO HENRIQUE FERREIRA LEITE
OAB/PR 60.781

ADVOGADOS DA MAGISTRADA ANGÉLICA CHAMON LAYOUN
MEDINA OSÓRIO ADVOGADOS

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