Agosto Lilás é uma campanha nacional de enfrentamento à violência contra a mulher. A data foi escolhida em alusão à sanção da Lei nº 11.340, a Lei Maria da Penha, em 7 de agosto de 2006. Mais do que uma data, é um marco da luta incessante de mulheres que exigiram do Estado uma resposta à violência de gênero.
A partir do trabalho de grupos de Direitos Humanos que ajudaram Maria da Penha a denunciar seu caso à Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (CIDH/OEA), a pressão internacional trouxe uma das melhores leis do mundo quando o assunto é violência doméstica e familiar contra a mulher.
Mesmo assim, os dados no País ainda são alarmantes e a casa continua como um lugar de risco para as mulheres. Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública publicado neste ano, em 2024, 1.492 mulheres foram vítimas de feminicídio no Brasil, as tentativas de feminicídio cresceram 19%, vitimando 3.870 mulheres, crime de perseguição (stalking) atingiu
95.026 mulheres, um aumento de 18,2%,.e foi registrado o maior número de estupros da história. Oito em cada dez vítimas foram mortas por companheiros ou ex-companheiros. As mulheres negras continuam sendo as mais atingidas.
A desnaturalização da violência contra a mulher deve ocorrer desde os primeiros sinais e qualquer ato de agressão precisa ser repreendido com rigor, antes que ela escale para a violência física e o feminicídio. Mas, para isso, é preciso entender como funciona o ciclo de violência e impedir que ele avance.
As violências psicológica e patrimonial costumam ser o primeiro sinal e deixam marcas difíceis de serem apagadas. Alertas comuns são ciúmes excessivos, controle das roupas, vigilância constante sobre lugares que a mulher frequenta ou com quem ela interage, ridicularizações, isolamentos, forçar relação sexual, mesmo dentro do casamento, deixá-la afastada da realidade financeira da família, impedir ou dificultar sua formação acadêmica ou profissional. A lista é interminável e alguns desses exemplos estão no próprio texto da Lei Maria da Penha expressamente como violências.
Um ponto comum que pode ser observado em condutas de violências de gênero é a posição de submissão e inferiorização como naturais da mulher de tal modo que ela pode passar pelo que se costuma chamar de “microagressões”, sem causar indignação. O problema é que essas agressões, sem o prefixo de apequenamento, são, por si sós, graves e vão escalar em um ciclo de violência desastroso.
Medidas protetivas salvam vidas e os instrumentos legais são indispensáveis para repressão imediata da violência de gênero e garantia de direitos violados. Mas não há esperança de uma vida sem violência para as mulheres sem a verdadeira ruptura de um sistema machista e misógino, com engajamento do Estado e da sociedade.
O engajamento social pode ser feito de várias formas e a comunidade em volta das mulheres tem um papel crucial. Nas igrejas, escolas, e ambiente de trabalho, por exemplo, a escuta atenta ao relato das mulheres pode interromper ciclos que teriam destinos letais. Atitudes que podem fazer muita diferença são: não descredibilizar a palavra das mulheres, não aceitar piadas que diminuam a sua autoestima, encorajá-las a investir na sua carreira e alcançar independência financeira, entender que o seu papel não se resume à maternidade, se ela não quiser.
O Estado, para além de uma atuação repressiva e enfrentamento direto à violência contra as mulheres, precisa estruturar todos os espaços para o olhar de gênero, capacitar os seus servidores para entender o ciclo de violência, credibilizar e acolher as mulheres. Ao lado de uma regularização dos espaços privados e cobrança na implementação de políticas de conscientização sobre violência de gênero e enfrentamento imediato eficaz dessas condutas. Iniciativas como essa podem ser vistas com o Protocolo “Não é Não”, para casas noturnas e boates, o Protocolo Violeta para aplicação em espaços similares, além de hoteis, moteis e academias de ginástica, e a comunicação obrigatória dos condomínios residenciais e comerciais às autoridades, em caso de violência de gênero. (respectivamente:Lei Nacional 14.786/23, Lei Municipal 19.061/23 de Recife/PE, Lei Estadual de Pernambuco n. 16.587/19).
O combate à violência contra a mulher é multidisciplinar e envolve ações de origens diversas que não podem se perder do objetivo de romper, em definitivo, um sistema inteiro de opressão e ódio contra as mulheres. É fundamental que nos engajemos ativamente, não apenas em agosto, mas durante todo o ano, para combater essa realidade.

Larissa Brito.
Advogada familiarista e civilista com Perspectiva de Gênero.